IV
O carro conduzido por
Maria havia arrancado a alguns minutos, no ar ainda se sentia o cheiro a motor.
A tristeza assolava todo o rosto de António. Nas ruas viajava um silêncio
perturbador, as pessoas numa mistura de ódio e angústia passavam por ele sem
dirigir qualquer palavra. Uns porque o achavam responsável daquilo que o filho
fez, outros porque apesar de não acreditarem que o seu filho fosse culpado não
sabiam o que dizer. O homem parecia ter envelhecido demasiados invernos nos
últimos dias, a atitude energética havia sido substituída por um sentimento de
desânimo. Era o primeiro dia sem o seu
filho, depois daqueles dias demasiado grandes entre o dia em que o seu rebento
tinha sido acusado e julgado.
Algumas horas de viagem
depois, finalmente Miguel chegava ao seu destino. A casa que o ia receber era portentosa,
com mais janelas e divisões que uma pessoa podia contar. Pintada de branco
fresco denunciava os seus poucos anos de existência. O rapaz foi levado pelo
motorista e pela responsável da acção social até à porta da cor do fruto do
castanheiro. Uma senhora avançada em idade, de pernas trémulas e engelhadas cumprimentou
as visitas.
- É ele? – questionou num
tom de voz combalido – É o novo?
- Sim. – respondeu a
profissional da acção social – Fica aqui a partir de hoje. Nós vamos indo.
Miguel observou o carro a
arrancar dali virando-se depois para a velha.
- Não te preocupes meu
rapaz, serás muito feliz aqui. Vou mostrar-te o teu quarto. Terás três
companheiros. Nunca te sentirás sozinho. Além disso, o senhor Jorge,
responsável deste espaço é uma excelente pessoa que providenciará tudo aquilo
que tu precisares.
O rapaz em passos tímidos
entrou naquela casa arregalando os olhos de espanto tal o tamanho do salão
principal.
- É enorme não é? –
sorriu a idosa – É necessário. São mais de cem crianças.
Subiram umas escadas de
madeira que pareciam deslocadas daquela casa, tinham um aspecto antigo e
rangiam a cada passo. A mulher parou junto a uma porta e fez-lhe sinal para
entrar.
- Aqui será o teu quarto.
O Guilherme, o Nuno e o Vasco estão aí dentro. Pousa as tuas coisas e aproveita
para os conhecer.
Miguel entrou sozinho, a
porta foi fechada nas suas costas. Três rapazes estavam sentados na mesma cama,
a conversa animada foi interrompida pela chegada do rapaz novo. Miguel levantou
a mão direita e soltou um envergonhado “olá”. Um deles saltou imediatamente da
cama e encaminhou-se para ele.
- És tu o forte não és? –
interrogou em tom de escárnio – O que violas raparigas indefesas.
O jovem ficou atrapalhado
sem saber o que dizer.
- Eu sou o Vasco. – disse
o miúdo que se tinha aproximado. – Que fique claro que eu não gosto de ti e que
vou fazer da tua vida um inferno!
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