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Saturado com a vida que tens? Tens sorte. É a verdade por
mais que não acredites. Eu também pensava como tu. Também era como tu. Não
encontrava o propósito da vida quando ela própria é o seu propósito.
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Faziam cinco anos desde que estava desempregado. Todos os
dias os meus pais massacravam-me porque achavam que eu não fazia o suficiente
para sair da situação em que estava, “és um acomodado” repetia o meu pai vezes
sem conta. Já a mãe tentava ser mais compreensiva mas indirecta aqui, indirecta
ali, via-se perfeitamente que dava razão ao meu pai. Até eu dava. Passei os
primeiros dois anos em constantes viagens e entrevistas de emprego, desde a
vila onde morava, passando por Braga, Porto, Aveiro, Beja e até
Lisboa...anúncio atrás anúncio lá ia eu...por vezes nem sabia bem ao que
ia...lembro-me de uma entrevista no Porto para comercial da TV Cabo...meu
Deus...como a mulher era intimidante...parecia que tinha o diabo no corpo, mal
consegui pronunciar uma palavra. Depois de dois anos em intensa busca comecei a
desanimar...quem não desanimaria? E pronto fui-me “acomodando”. Sim, os meus
pais tinha razão. Não desde o início...mas no presente era a mais pura verdade.
Ainda me lembro perfeitamente de ver a minha mãe aos pulos,
entusiasmada, praticamente a gritar “tens que ir. É perfeito para ti.” E o que
era perfeito para mim? O museu que ia abrir naquele Outono. Não vos disse?
Tenho o curso de história e era aqui que encaixava o “perfeito”. Foram três
anos espectaculares no Porto antes de cair na agonia dos últimos cinco...claro
que não fui o aluno perfeito, passei a várias cadeiras com a nota mínima...mas
o canudo, que era o que interessava, estava em exibição no quarto (também para
pouco mais servia), sempre que ia uma visita lá a casa, a minha mãe tinha todo
o orgulho em mostrar. Sou licenciado...great...não me tinha servido para grande
coisa...até, claro, agora...o museu ia abrir na vila e caramba, tenho um curso
de história! Até pode ser que...partilhei a alegria da minha mãe, pensei no que
faria, contar às pessoas as nossas raízes, tinha era que as estudar mais um
pouco...imaginei que vinham ingleses, franceses (o que podia ser um problema
porque pouco percebia desta língua), suecas...ai, as suecas. Quem me dera!
Acordei cedo no dia seguinte e aperaltei-me, sim, fato e
gravata e essas coisas, vá lá que estávamos no Outono. Se ficasse valeria o
sacrificio. A minha mãe desejou-me boa sorte e eu lá fui.
O responsável pelo museu assemelhava-se a um erimita, ou à
ideia que eu tenho de um erimita, um homem já com uma certa idade, barba grande
e branca, só com dois ou três cabelos brancos a dançarem na sua cabeça, de
baixa estatura e com uma bengala para o ajudar a caminhar. Com uma voz rouca
pediu-me para sentar enquanto guardava uns papéis num armário, depois sentou-se
na mesa de madeira. A mesa era da madeira, de um lado tinha o retrato de uma
rapariga de uns aparentes quatro ou cinco anos, no centro uma máquina de
escrever e do outro lado da mesa vários lápis espalhados, uns afiados e outros
por afiar. Ainda ao lado da foto da rapariga estava uma caneca , objecto em
qual ele pegou e deu um pequeno gole, pousou a caneca e limpou a boca com a
manga do casaco castanho que escondia uma camisola cinzenta de algodão, parecia
que as boas maneiras não seria muito importantes para o caso.
Ah, leite quente. - suspirou – Haverá coisa melhor no tempo
frio?
Eu...
Sim, sim, eu sei. - interrompeu-me – Quando podes começar?
Mas você não me vai fazer perguntas? - questionei surpreso –
Sobre o curso que tenho e isso...
Meu rapaz, falar com o passado, transmitir o passado, viver
o passado não precisa que tenhas curso algum – explicou – Não há assim tantos
interessados em trabalhar num museu por aqui. Acham, como vocês novos dizem,
uma “seca”. Garanto-lhe que não é. É tudo menos monótono. Ah...o passado...o
glorioso passado com tão mais conteúdo do que o presente em que vivemos...as
pessoas eram mais nobres, mais corajosas...- bateu com a bengala no chão e
aproximou a sua cara da minha – e haviam perigos...muitos perigos...
Eu posso começar quando o senhor quiser. - disse
afastando-me – É só marcar o dia.
Amanhã, meu caro rapaz. - sorriu – amanhã é capaz de ser boa
ideia.
Tudo bem. A que horas?
O teu horário é das dez às cinco da tarde, com uma hora para
almoço. - a expressão do seu rosto tornou-se mais séria – Estás absolutamente
proibido de estares no museu antes das dez da manhã ou depois das cinco da
tarde. Percebido?
O homem entregou-me as chaves do museu.
Claro...claro – repeti um pouco incomodado com tudo aquilo –
Vou então dar a notícia à minha mãe.
Saí do escritório ainda com a cabeça às voltas com
aquela...bem, chamar-me entrevista era um pouco esquisito...porém, o objectivo
estava conseguido. Finalmente, cinco anos depois tinha arranjado um
trabalho...para mal dos meus pecados...
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