sábado, 8 de junho de 2013

Odys - Capítulo I - A profecia

I

Caía a noite na região de Odys.

Caligõ, o baixo e gordo oráculo subia as escadas que conduziam ao castelo da rainha, perdido na escuridão que se erguia majestosamente ocultando as nuvens sem cor que se arrastavam durante o dia.
O oráculo passou pelos guardas e ajoelhou-se em frente a Hépates que se aborrecia no seu trono.
-          Minha rainha, más novas eu trago.
A rainha alertou-se.
-          Más novas, dizes?
-          Uma premonição, uma premonição sobre uma queda...a sua queda! Sonhei com a sua queda , minha rainha! Algo inverosímil aos seus olhos, bem sei. 
Hépates sorriu.
-          A minha queda? Escolheste bem a palavra...é sim inverosímil, sonhaste algo sem sentido e sem fundamento algum.
-          Pelos Deuses das Trevas que regulam a minha vida, quem me dera que fosse apenas um sonho. Eu previ uma batalha entre si e uma mulher jovem que acabou com a sua derrota aos seus pés.
O oráculo aproximou-se da rainha.
-          Hoje na aldeia de Môndim, em uma casa isolada já perto de Caius, uma mulher está a ter gémeos, um menino e uma menina, e é essa rapariga que no futuro será um perigo para todos nós. Será uma feiticeira superior à rainha e acabará com o Vosso reinado.
A rainha Hépates levantou-se do trono.
-          Uma rapariga mais forte do que eu? Como queres tu, Oráculo que eu acredite nisso? Não há alma viva que se compare ao meu poder, e nunca haverá!
-          Rainha...essa certeza também já foi minha, porém das minhas previsões não duvido. Pense bem, mais vale prevenir. Envie os quatro cavaleiros para a matarem. Ficaremos mais descansados desta maneira. Não espere pelo futuro que está escrito, faça o seu próprio futuro!
-          E como poderia uma simples aldeã aprender poderes mágicos? Não há como! Não há forma!
-          Os meus presságios raramente falham. Envie os quatro cavaleiros! Vos suplico.
-          A única pessoa que poderia representar algum perigo era aquele rebento traidor...mas Seth livrou-se dele!
-          Rainha, a situação é fácil de evitar. Se eliminar já o perigo então não há possibilidade alguma de esse perigo crescer.
Hépates olhou por momento para Caligõ.
-          Deixa-me um pouco sozinha. Preciso de pensar.
O oráculo fez uma vénia e retirou-se. A rainha voltou a sentar-se no trono de ouro.
“Seth livrou-se do verdadeiro perigo...aquele rebento que Dioniso teve com aquela aldeã...esse sim seria perigoso pois Dioniso queria treiná-lo e prepara-lo para o suceder no seu trono...Mas agora...não posso crer que algum dia, alguém poderá me enfrentar...principalmente uma menina nascida em uma aldeia sem recursos para se treinar...de qualquer modo, talvez seja melhor fazer o que o oráculo disse...prevenir. Não vale a pena arriscar. Mandarei os quatro cavaleiros e assim nada terei a temer no futuro.”
Os quatro cavaleiros eram depois de Seth, a força mais poderosa da rainha Hépates. Cada um dominava um dos quatro elementos da vida, Hefysto dominava magias de fogo e transportava a espada , Aslépyo conhecia as artes das magias de terra, Arya e Anfitryte eram duas cavaleiras , a primeira do elemento ar e a segunda do elemento água. Cavaleiros frios, cruéis e com sede de sangue, tudo aquilo que a rainha procurava.   
Aldeia de Môndim,
Um rapaz mal vestido que aparentava cerca de doze anos carrega as mercadorias para a carroça onde o pai o esperava.
-          Já está pai. – disse.
-          Obrigado Kayser.
-          Olá Slethor, ouvi dizer que os teus rebentos estão a nascer, já não deve faltar muito há que seguir viagem para os ver. – sorriu um homem de barba e bigode e com uma harpa na mão.
-          Olá Accius, sim é verdade. A minha mulher deve fazer o parto hoje. – respondeu o pai de Kayser.
-          Não quero este dia de festa estragar, mas algo me está a inquietar.
-          Ora Accius, és poeta, não és nenhum bruxo.
-          Vivendo neste mundo de prisão, rastejando no chão, procuramos um salvador, enquanto outros procuram um traidor. – disse enigmático o poeta, continuando a andar depois.
-          Filho, fica aqui. Vou ao Botularius comprar um pouco de carne.
-          Ok pai.
Slethor foi ao talhante enquanto Kayser ficou a observar Accius, a falar com Apeles, o pintor da aldeia.
-          Qual é a tua inquietação afinal meu fiel amigo? – perguntou Apeles.
-          Vejo nuvens negras que se aproximam, sinais de mudança que nos alcançam, ouço os cavalos negros que o chão pisão, demónios que não se amansam.
-          Ora, meu amigo. Hoje é dia de felicidade. O Slethor vai ser pai mais uma vez. Devias cantar uma música repleta de alegria!
-          Ah, meu amigo. Quem me dera que o meu espírito estivesse assim...mas algo em mim anuncia o fim desta vida de falsa paz que conhecemos, quem sabe até a perda de tudo o que temos...
Apeles acabou a sua tela, no seu quadro aparecia retractada a fonte, conhecida por fonte dos milagres, que se encontrava atrás de Kayser.
Slethor voltou com a carne para o jantar. Kayser ficou contente, a conversa de Accius estava a deixá-lo incomodado.
-          Podemos seguir viagem filho.
Kayser sorriu e subiu para a pequena carroça.
A casa de Slethor ficava um pouco retirada do centro da aldeia, depois do Lago Ysfinge e em direcção à cidade de Caius. Mas o que mais agradava a Kayser era que a visão do majestoso monte Hakê o perseguia durante praticamente toda a viagem.
Chegaram a casa onde esperavam-nos Éden e Sospitãs, a parteira mais famosa da aldeia. O momento do nascimento dos irmãos de Kayser aproximava-se.
Kayser ficou cá fora sentado em um pequeno tronco a olhar para o monte Hakê, arrebatado pela fé que mantinha naquele magnífico monte começou a rezar em direcção a este para que o parto corresse bem

A manhã surgiu harmoniosa. O sol corria por toda a região.
No castelo, Hefysto, Aslépyo, Arya e Anfitryte estavam agora diante da rainha que se encontrava de pé. Antes que Hépates começasse a falar chegou Seth.
-          Minha Senhora, já sei dos seus planos para matar uma bebé que parece representar grande perigo para o nosso reino...pelo menos assim afirma aquele impostor do Caligõ.
A rainha olhou para o seu braço direito mostrando-se zangada.
-          Seth! As vossas diferenças não podem interferir no meu bem estar! Eu sei que não acreditas nas palavras do oráculo, mas ele já acertou em muita coisa...
-          E falhou muito mais...- comentou o demónio interrompendo Hépates.
-          Não interessa! Pela mínima possibilidade de tal visão ser verdadeira tenho que tomar medidas! Hefysto, Aslépyo, Arya e Anfítryte vão eliminar a bebé.
Seth soltou um sorriso e aproximou-se.
-          Minha Senhora, se tal bebé vai ter tamanho poder que a poderá enfrentar então há algo que se pode fazer bem melhor que acabar com a sua vida.
Hépates olhou para ele não compreendendo.
-          Aproveitar! Buscar a bebé e torna-la sua filha! Sua herdeira! Poderosa! Educada por nós, a prova que o Seu legado vai continuar!...Caso seja falso que essa bebé se torne o que Caligõ disse que ela se vai tornar, então eu próprio queimo aquele traste!
A rainha sentou-se no seu trono.
-          A tua ideia não me parece ser má de toda. Absorvíamos o poder para nós e deixávamos todos aqueles que esperam uma revolta mais fracos e sem qualquer tipo de saída...sem qualquer esperança.
-          Ah Rainha! Esperança? Não existe tal palavra! A Senhora manda...os outros obedecem. É assim que sempre vai acontecer. Sei de alguns focos de revolta, um deles mesmo aí em Môndim. Porém...eles são só humanos...não têm poderes como nós. Não existe a palavra esperança porque nada vai mudar!
-          Bem sei que tudo o que tu dizes é válido, Seth. Porém a subestimação de um adversário já levou a muitas derrotas no passo. Eu não cairei nesse erro porém tens razão, não posso desperdiçar a oportunidade de criar uma herdeira à minha imagem, da minha confiança, treinada por mim.
-          Então, minha rainha, deixe-me ir buscar a bebé.
-          Tu, Seth? – Hépates estava surpresa.
-          Sim, esta missão não precisa dos quatro cavaleiros. Eu consigo trazer a bebé sem gerar qualquer tipo de confusão. É a vantagem de certos poderes que eu possuo. Para quê provocar confrontos desnecessários? Seriam vidas que ser perdiam inutilmente.
Hépates levantou-se do trono e fez-lhe sinal para ir depois de lhe comunicar como era a casa onde a bebé nasceu na visão de Caligõ, depois dispensou os quatro cavaleiros e voltou-se a sentar no trono.
Seth saiu do palácio e abriu as suas asas, lançando-se no vento. 
O céu que o demónio atravessava ia perdendo o seu azul limpo, surgiam nuvens negras e assustadoras, alguns segundos depois começava a chover, e a cada gargalhada que o monstro vermelho dava, um relâmpago estoirava.
Seth ia raptar a pequena bebé. Depois ia utiliza-la para chegar ao poder. Hépates não sabia mas na verdade Seth queria que Caligõ estivesse certo e que aquela bebé destronasse a rainha, subindo depois ele ao trono. Seth sabia que apesar de todo o seu poder se enfrentasse a rainha sozinho arriscava-se a perder.“ A princesa crescerá e será treinada desde os três anos, aos dez anos já estará suficientemente forte para enfrentar Hépates se juntar-se a mim. A princesa não será criada à imagem da rainha. Será criada à minha imagem! Espero que aquele impostor do Caligõ esteja certo...é a minha grande esperança”.
No castelo Caligõ saiu dos seus aposentos e visitou a rainha na sala real onde esta encontrava-se a tomar o pequeno-almoço. A mesa onde Hépates fazia as suas refeições era estupidamente grande para somente uma pessoa, mas esta adorava estar sozinha. Por isso não foi surpresa nenhuma para Caligõ a expressão de irritada da rainha assim que este irrompeu pela sala.
-          Rainha, sempre enviou os seus cavaleiros? – questionou de imediato ignorando a indignação da mesma em este se sentar sem ser convidado.
-          Não, enviei Seth. – respondeu.
-          Como? Aquele caranguejo musculado sem a mais pequena partícula de cerebro? Ele vai arruinar tudo! – exclamou Caligõ.
-          Ele não vai estragar nada. Vai arranjar menos confusão. Conseguirá roubar a bebé sem ser notado.
-          A questão aqui é...ele não quer ser notado? – perguntou Caligõ ciente que Seth adorava mostrar a sua força. – O mais provável é ele queimar a aldeia toda!
-          Ele não fará isso. – afirmou Hépates confiante.
-          Eu sei que ele é muito importante para a sua defesa pessoal mas penso que deposita fé demais nesse ser asqueroso.
-          Caligõ! O vosso ódio comum que não te permita perder o discernimento. Vocês são duas grandes peças do meu reinado. Mas há uma coisa que tanto um como o outro têm que perceber! Primeiro estou eu! Apenas depois vocês, e se para eu estar bem vocês precisem de colaborar juntos, vocês trabalharão juntos!.
-          Só estava a tentar preveni-la. Noto em Seth uma paixão muito maior pelo poder do que propriamente em defender os interesses da rainha!
-          É ambicioso...é cruel...se eu quisesse um anjo tinha recorrido a Hâke. Além do mais ele não vai matar a bebé...vem com ela para cá para treinarmos a bebé como minha sucessora! Essa é a prova que ele defende os interesses do reino! 
-          Como? Ele sugeriu isso? – Caligõ mostrava-se surpreso - Mas de qualquer maneira tenha cuidado. Não se pode ser apenas temente pelo que acontece fora do castelo mas sim também pelo que se passa cá dentro. Uma revolta de dentro para fora seria o fim! – preveniu Caligõ saindo da sala de seguida.
“Gordo inútil! Se não fosse as poucas previsões correctas que fazes já te tinha enforcado a esta altura...ou tinha-te entregado a Seth para este te cortar às fatias...Seth não se virará contra mim...ele sabe do que eu sou capaz! Sabe que não tem hipóteses! E se quisesse o meu reino por certo que não me aconselharia a treinar uma sucessora...Aquele Caligõ está mais demente a cada dia que passa!”
Nos seus aposentos Caligõ andava de um lado para o outro.

“Quais? Quais as intenções de Seth? Ajudar a criar a sucessora do trono? A rainha vai observar de perto tudo o que acontece...então como Seth pensa trair Hépates? Como? Tenho que encontrar a resposta antes que seja tarde demais!”

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