sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sobrevivente - Parte I


“Let me tell you something my friend. Hope is a dangerous thing. Hope can drive a man insane.”

Fecho o livro. Recordo-me vagamente do filme “Os condenados de Shawshank”, porém agora só me restam livros. Não há electricidade para poder usar um computador ou uma televisão. Não trouxe nenhum material electrónico. Os meus passatempos são diminutos e se escrevo este diário é para não enlouquecer completamente. Não tenho com quem falar e a minha gata já não me pode ouvir. Ironicamente ela chama-se Salvadora…e até hoje foi mesmo quem me salvou da morte.

Estou, de certa maneira, arrependido de ter fugido mas continuo a acreditar que sou eu que devo escolher quando partir. Não o mundo. O mundo que me chamou louco. A mim e a todos aqueles que acreditaram na verdade. Ninguém é superior a ninguém e muito menos às forças da natureza. Os sinais estavam todos lá mas quiseram ignorar. Não tenho a certeza de como tudo acabou. Não podia ficar para ver. Tenho a certeza que foi terrível. Imagino os pais a tentarem salvar os seus filhos. As lágrimas. Aqueles falsos “vai tudo ficar bem”. Imagino a agonia…espero que tudo tenha acabado em poucos minutos. Ainda bem que já estava sozinho. Ainda bem que não tenho família pela qual lamentar neste triste fim. É a vantagem de perdermos aqueles de quem mais gostamos quando somos muito novos…poucas são as recordações que ficam…mas não quero falar disso agora.

Este é o décimo dia no “bunker”. O décimo dia depois do fim do mundo. Não é que o mundo tenha acabado totalmente senão não estaria aqui. Quem acreditou que realmente à forças mais poderosas que o ser humano e se resguardou poderá estar vivo como eu. Sairei daqui quando a comida que fui armazenando acabar…daqui a mais ou menos dois anos. Não sei o que me espera lá fora, sei que será vazio. Dois anos é o tempo mínimo de espera segundo aquilo que fui lendo. Tentarei depois encontrar outros sobreviventes em “bunkers”. Acredito que sejam centenas.

Os primeiros nove dias foram difíceis. A gata Salvadora não gostou do sítio. Demasiado escuro. Demasiado frio. Mas lá se foi habituando. É e será a minha única companhia durante os próximos dois anos.

 

 

“I'll change; I'll change. I've learned that I have the strength to change.”

Décimo primeiro dia…11 de Janeiro de 2013…hoje estava a ler em um recorte de um jornal antigo que a 11 de Janeiro de 1980 Nigel Short tornou-se no mais jovem jogador de xadrez a ser premiado como mestre internacional. Nem sei porque li a notícia…o xadrez nunca foi um desporto que me prende-se a atenção…admirava quem sabia jogar…e agora neste momento tenho vontade de jogar…ou provavelmente vontade apenas de estar com alguém…Não acredito que a gata Salvadora fosse uma adversária à altura…mesmo eu não sabendo jogar. Nem acredito que ela estivesse muito interessada…os novelos de lã e as bolas de ténis fazem mais o seu género. Vejo-a a correr, a saltar e penso…quem me dera ser assim tão despreocupado…Dizem que o Homem é o ser mais inteligente…mas cá entre nós, é sem dúvida, o mais complicado…o ser humano tem intrínseca de tornar a mais pequena coisa uma complexidade.

 

A minha mente pensa que não quer pensar…

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