sexta-feira, 12 de julho de 2013

VI



                              VI

Os dias foram passando. Miguel foi-se habituando  ao convívio com todas aqueles crianças que por uma ou outra razão estavam ali. Guilherme era o único do quarto com o qual podia falar mas só quando Vasco e Nuno não estavam. Nas raras conversas que conseguiu ter com Guilherme, descobriu que este e Nuno eram irmãos e estavam ali por causa de vários assaltos. Mas tanto um como outro tinham um código, só assaltavam pessoas ricas, e apenas o faziam por necessidade. 

A mãe de Nuno e Guilherme tinha morrido há 5 anos atrás, e o pai não aguentou, entregou-se à bebida, foi despedido e ficou sem condições para cuidar dos dois irmãos e ainda de Catarina, de apenas um ano. Nuno e Guilherme começaram então a mendigar nas ruas mas o que conseguiam era pouco e chegaram a uma situação limite. O pai dos dois irmãos entregou-lhes algumas armas brancas. Guilherme recusou imediatamente, não queria magoar ninguém. Mas rapidamente mudou de ideias.

- Ouves? – questionou o pai – É o choro da tua irmã. Um ano que ela tem! Um ano! E não temos condições para cuidar dela. A tua mãe morreu. Os teus avós não querem saber de nós. Os meus amigos desapareceram de um momento para o outro.
- Nós não somos ladrões! – exclamou Guilherme a chorar – Não quero magoar ninguém.
- Não somos ladrões. Pedimos dinheiro, fomos espezinhados, humilhados….olham para nós com nojo. – explicou o pai – Nem pena têm de nós….só nojo.
- Nós não vamos aleijar ninguém. – afirmou Nuno – É só para meter medo.
- A mãe não ia deixar…- suspirou Guilherme – Ela ia ter outra solução.
O choro de Catarina aumentou de tom.
- Queres ir explicar à tua irmã de apenas um ano que não temos como a sustentar? – interrogou o pai – Queres?
Nuno e Guilherme cresceram muito depressa devido a todas as situações pelas quais passaram. 

Guilherme, em conversa com Miguel, recordou o seu último natal em família há dois anos atrás. Os sorrisos de Catarina enquanto abria os seus presentes valiam todos os sacrifícios e afinal eles roubavam aos ricos, aos que não precisavam.
Porém, pouco depois desse Natal as coisas correram mal, a polícia já estava prevenida para os miúdos e para o pai dos mesmos. O pai distraía um casal de idosos ricos mostrando a pequena Catarina. Os dois irmãos surgiram do lado oposto e roubaram as duas malas, porém a polícia estava poucos metros à frente e os dois foram rodeados. O pai saiu dali com Catarina e até hoje não havia notícias dos dois.

Miguel perguntou-lhe também sobre Vânia. Guilherme explicou-lhe que a rapariga era filha do senhor Jorge e que aparecia por ali muitas vezes. Era uma miúda estranha que não falava com ninguém. No seu rosto desenhava-se o medo pois, segundo o que diziam, o pai batia-lhe todas as noites. Antes gozavam com ela porém agora tinham pena.

Miguel ficou com vontade de conversar com Vânia, queria esclarecer se tudo aquilo era verdade, afinal se o senhor Jorge lhe batia, como é que ele poderia estar a chefiar uma casa de miúdos?

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