VI
Os dias foram passando. Miguel foi-se habituando ao convívio com todas aqueles crianças que por
uma ou outra razão estavam ali. Guilherme era o único do quarto com o qual
podia falar mas só quando Vasco e Nuno não estavam. Nas raras conversas que
conseguiu ter com Guilherme, descobriu que este e Nuno eram irmãos e estavam
ali por causa de vários assaltos. Mas tanto um como outro tinham um código, só
assaltavam pessoas ricas, e apenas o faziam por necessidade.
A mãe de Nuno e
Guilherme tinha morrido há 5 anos atrás, e o pai não aguentou, entregou-se à
bebida, foi despedido e ficou sem condições para cuidar dos dois irmãos e ainda
de Catarina, de apenas um ano. Nuno e Guilherme começaram então a mendigar nas
ruas mas o que conseguiam era pouco e chegaram a uma situação limite. O pai dos
dois irmãos entregou-lhes algumas armas brancas. Guilherme recusou
imediatamente, não queria magoar ninguém. Mas rapidamente mudou de ideias.
- Ouves? – questionou o pai – É o choro da tua irmã. Um ano
que ela tem! Um ano! E não temos condições para cuidar dela. A tua mãe morreu.
Os teus avós não querem saber de nós. Os meus amigos desapareceram de um
momento para o outro.
- Nós não somos ladrões! – exclamou Guilherme a chorar – Não
quero magoar ninguém.
- Não somos ladrões. Pedimos dinheiro, fomos espezinhados,
humilhados….olham para nós com nojo. – explicou o pai – Nem pena têm de nós….só
nojo.
- Nós não vamos aleijar ninguém. – afirmou Nuno – É só para
meter medo.
- A mãe não ia deixar…- suspirou Guilherme – Ela ia ter
outra solução.
O choro de Catarina aumentou de tom.
- Queres ir explicar à tua irmã de apenas um ano que não
temos como a sustentar? – interrogou o pai – Queres?
Nuno e Guilherme cresceram muito depressa devido a todas as
situações pelas quais passaram.
Guilherme, em conversa com Miguel, recordou o
seu último natal em família há dois anos atrás. Os sorrisos de Catarina
enquanto abria os seus presentes valiam todos os sacrifícios e afinal eles
roubavam aos ricos, aos que não precisavam.
Porém, pouco depois desse Natal as coisas correram mal, a
polícia já estava prevenida para os miúdos e para o pai dos mesmos. O pai distraía
um casal de idosos ricos mostrando a pequena Catarina. Os dois irmãos surgiram
do lado oposto e roubaram as duas malas, porém a polícia estava poucos metros à
frente e os dois foram rodeados. O pai saiu dali com Catarina e até hoje não
havia notícias dos dois.
Miguel perguntou-lhe também sobre Vânia. Guilherme
explicou-lhe que a rapariga era filha do senhor Jorge e que aparecia por ali
muitas vezes. Era uma miúda estranha que não falava com ninguém. No seu rosto
desenhava-se o medo pois, segundo o que diziam, o pai batia-lhe todas as
noites. Antes gozavam com ela porém agora tinham pena.
Miguel ficou com vontade de conversar com Vânia, queria
esclarecer se tudo aquilo era verdade, afinal se o senhor Jorge lhe batia, como
é que ele poderia estar a chefiar uma casa de miúdos?
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