III
O olhar de Miguel misturava tantos sentimentos,
surpresa, medo, revolta, tristeza. Tudo aquilo parecia ser filmado em câmara
lenta, era levado para dentro de um carro como se fosse um criminoso, mas que
erro tinha ele cometido? Observou todos
os que o rodeavam, começou por Lara que assim que notou o olhar de Miguel
desviou o seu rosto, notava-se o sofrimento da rapariga e o filho de António
questionava-se no porquê de Lara ter feito o que fez, não havia resposta que o
convencesse. Perto de Lara estavam vários familiares da rapariga que o
insultavam, dois primos ainda tentaram atingi-lo porém os guardas não o
permitiram. Imediatamente ao lado de Lara estava o pai da rapariga, homem de
aparência soturna, alto e magro, barba feita e relógio rolex no pulso, o seu
rosto denunciava um sorriso saciado. Do lado oposto da rua estava o pai
António, que não controlava as suas lágrimas apesar do abraço sentido da sua
irmã Maria. Depois da morte da sua mulher, derrotada por uma doença prolongada,
o dono da loja de artigos de pesca enfrentava novo sofrimento. Mais afastado
estava o senhor Manuel, o dono da loja de recordações na sapiência da sua idade
refutava os argumentos do jovem Diogo, seu filho, que o tentava convencer que
Miguel era culpado. O pai de Diogo conhecia Miguel desde pequeno e não tinha
dúvidas da sua inocência. Porém, apesar de todos os esforços de Maria, o
veredicto do júri culpou Miguel. O filho de António partia da vila para uma
casa de acolhimento na cidade. Acabavam-se as tardes de pescaria, as corridas a
pé pelos atalhos da vila com os amigos, os mergulhos no mar, os jogos de cartas
inventados pelo Chico ao final da tarde, as leituras no jardim, a bola de carne
da senhora Graça e as brincadeiras do senhor Carlos, o dono do café onde Miguel
parava desde criança.
O rosto de António estava cansado, desde que o seu
filho fora acusado de violação que o homem não pregara olho. A esperança em
Maria tinha acabado, apesar da irmã ter tentando de tudo o seu filho estava a
ser retirado dos seus braços sem que este pudesse fazer nada. Sabia que o seu
filho era inocente, era um amor de rapaz, trabalhador e obediente.
O carro arrancou, Miguel em lágrimas olhou para
trás, ignorou os insultos de algumas pessoas e concentrou-se na sua família. Mal
tinha partido e as saudades já o invadiam. O que o esperaria?
- Anda. – pediu Maria – António, temos que ir.
- Eu quero o meu filho. – afirmou o irmão a tremer –
Quero o meu filho.
Ainda com os gritos de “violador” a ecoarem na sua
mente, o dono da loja de artigos de pesca deixou-se cair no chão sem forças
repetindo “é mentira”.
Maria abraçou-o.
- A justiça será feita – sussurrou.
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